Ao analisarmos como a revista Raça apropria-se do discurso dos artistas para possibilitar uma identidade cultural entre os leitores, servindo de base para encontrar meios para uma identificação, verificaremos como a revista trata de assimilar alguns estilos musicais e seus respectivos músicos no processo da afirmação cultural. Segato e Carvalho (1994, p.08) analisam que em muitos casos constata-se que a transformação da música em símbolo emblemático da identidade do grupo é uma função do poder.
Entendendo uma identidade como, ao mesmo tempo, ideia e sentimento de pertencimento a um grupo, o qual se une em torno de uma série de representações, tendo este conceito como principal ponto para esta análise . Para se relacionar com o mundo real, cada cultura constrói, a partir das práticas sociais, representações deste, as quais acabam orientando as suas práticas sociais.
Como já foi mencionado anteriormente a identidade étnica ou identificação étnica "refere-se ao uso que uma pessoa faz de termos raciais, nacionais ou religiosos para se identificar e relacionar-se aos outros" (Oliveira, 1976). Assim, a identificação étnica possui uma característica de auto-atribuição e atribuição por outros. A partir disso, quando as pessoas se valem da identificação étnica para classificar a si próprios e aos outros com propósitos de interação, elas formam grupos étnicos em seu sentido de organização (Silva, 1993, p.40). O que interessa, então, é tentar perceber tais conceitos dentro do contexto em estudo.
A revista Raça Brasil nas suas publicações sobre os músicos sempre tenta colocar nas suas linhas um discurso de autoafirmação da raça negra, publicando perguntas ou respostas que têm esse caráter identificador, como acontece nesta entrevista com cantor Seu Jorge Nosso Jorge (Edição 91 - Outubro/2005). A revista diz em destaque o seguinte: "Aos 35 anos, o ator e músico atinge seu melhor momento na carreira. Lota casas de espetáculos na Europa, grava CD em Paris e ainda atua em filme de Hollywood. Sua maior glória, diz ele com orgulho, é ser negro, brasileiro e reconhecido no exterior". A revista Raça opera como um espelho frente a classificações e a necessidade de fazer se identificar frente aos outros e ao olhar dos outros.
O mesmo tipo de publicação é colocado na entrevista com a cantora Vanessa da Mata, entrevista de nome Com vocês, Vanessa da Mata (Edição 95 - Fevereiro/2006), ao publicar o preconceito sofrido pela cantora, que diga-se de passagem, partido por outras meninas negras. A revista publicou o seguinte comentário:
"[...] única vez que ela enfrentou algum tipo de preconceito no Brasil partiu de meninas negras e por causa de um assunto batido, mas que ainda incomoda muitas mulheres negras: o cabelo. "Eu estava saindo do supermercado quando umas meninas começaram a gritar: "Vai pentear o cabelo!". Na hora eu ria muito e gritava "Eu sou neguinha, minha filha". Mas você acaba descobrindo que se trata mais de um problema social e cultural, porque se você vai num lugar super-chique, as pessoas adoram o meu cabelo", argumenta. Ela diz que só alisou os cabelos uma vez aos 15 anos, mas depois que se entendeu por gente, nunca mais precisou disso [...]" ( Com vocês, Vanessa da Mata, Edição 95 - Fevereiro/2006).
De outro lado, entendemos que as políticas de identidade estão articuladas ao que Hall (1996) identifica como uma política de representação - um envolvimento dos sujeitos para reclamar alguma forma de representação. É a partir de um espaço, que pode ser identificado com o âmbito do local, que passam a aparecer novas representações, novos sujeitos, que mediante diferentes embates alcançam meios de falarem por si mesmos.
Duas questões passam a ser cruciais nesse contexto das entrevistas dos cantores Seu Jorge e Vanessa da Mata: a disposição de viver com a diferença e, de outro lado, a etnicidade.
Há um processo de significação e associação com símbolos já existentes no imaginário de um certo grupo uma realidade, assim, nunca é apreendida de forma pura, sempre é apropriada e simbolizada, consciente ou inconscientemente, pelos grupos que dela se aproximam. "É nesta atribuição de sentido que percebemos que as representações não são "ingênuas". Apesar de se proporem a uma aproximação com a realidade, sempre são influenciadas pelos interesses do grupo que a produz" (CHARTIER, 1990, p. 17).
Neste sentido, a revista utiliza opiniões e imagens dos artistas para publicar afirmações e acontecimentos para chegar de forma mais atenta a seu público, já que as pessoas gostam de saber sobre a vida das celebridades e assim possam ver estas afirmações raciais presentes na fala dos seus ídolos.
* Retirado da minha monografia: As representações
Sociais na Ressignificação da Identidade Ética do povo negro: no caso da revista
Raça Brasil. Defendida na semana da Consciência Negra
em 23 de novembro de 2006.
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