Moura (1992) analisa que esse conjunto de periódicos que se sucede durante quase 50 anos influirá significativamente na formação de uma ideologia étnica na população negra paulista, espalhando-se pelo país e influindo, de certa maneira, no comportamento dos afro-descendentes. Concentrando o seu noticiário nos acontecimentos da comunidade, divulgando a produção dos seus intelectuais nas páginas dessas publicações, aconselhando, orientando e criando, mesmo, um código moral puritano para ser obedecido pelos negros, essa imprensa "feita por negros para negros" marcou profundamente o pensamento dos negros paulistas se repercutindo entre os negros de todo o Brasil, lógico que este sentimento ideológico só atingia de forma mais significativa para os negros que sabiam ler.
Esta nova forma da imprensa negra nos faz questionar a nova tendência da indústria de consumo nacional envolvendo produtos e serviços que, além de propagar a ideia de que os negros podem e têm o direto de consumir como qualquer pessoa no Brasil, com isso, a ênfase das linhas editoriais caminharam muito mais na direção de discussões sobre música, saúde, beleza, comportamento e política.
A Raça Brasil é a revista mais conhecida e de maior tiragem, com uma linha editorial voltada para a exaltação do sucesso e da ascensão social do negro, além de muitos artigos e edições especiais sobre moda e beleza. É visível que a revista Raça não segue uma publicação estigmatizada, radical, voltada totalmente para atender aos problemas da população negra, mas o motivo da sua criação tem a mesma essência dos antigos periódicos, que é defender os direitos e dar visibilidade ao povo negro, porém mudando a visão mercadológica de representação simbólica de uma nova imagem do negro(a) bem produzida.
Alguns desses jornais da velha imprensa negra refletiam as inquietações de parte da população negra e, num sentido mais amplo, tinham um caráter pedagógico e instrutivo, pois, além do forte apelo político para a tomada de uma certa consciência considerada adequada por seus editores, apresentavam em suas páginas matérias relacionadas ao cotidiano de parte dessa população, o que pode ter contribuído para o processo de formação de sua subjetividade.
Além disso, a divulgação de eventos do cotidiano – tais como festas, bailes, concursos de poesia e beleza, que raramente apareciam nos periódicos da grande imprensa - pode também ter contribuído para um processo de auto-reconhecimento e construção da identidade por meio da observação e identificação do seu patrimônio cultural.
Tal segmentação criada por estes periódicos ainda hoje pode ser vista nas páginas da revista Raça Brasil, ao publicar matérias com os principais nomes e acontecimentos ligados à negritude, na tentativa de dar visibilidade a cultura negra, discuti a identidade e resgatar a herança cultural.
Nesse sentido, Santos (2005) argumenta que a criação destes meios de comunicação buscam a distinção, o prestígio e a inserção social, ao tê-las bloqueadas pela sociedade racista, alguns despertaram para a ascendência africana e às dificuldades comuns aos homens de cor, passando a defender seus interesses.
A velha imprensa tinha um escopo, interesse temático e circulação muito mais amplo, discutiam a questão do mestiço enquanto um problema que atingia a todos, entendiam que o estigma da cor preta ou parda era reflexo da ignorância da sociedade em que viviam. A sociedade branca repudiava todos eles enquanto indivíduos sem instrução, não enquanto homens de cor ou pardos, Santos ainda explica:
"A afirmação da raça, realizada pelas principais lideranças, ao contrário das teorias científicas que hierarquizavam e dividiam a humanidade em grupos, era acionada como um instrumento político que buscava unir todos - negros e mulatos. O objetivo era terem acesso aos principais códigos de comunicação e comportamento da elite, forma que encontraram para uma maior aceitação e vida em sociedade. O que passou a caracterizar a instrução como o principal meio de disputa no mercado de trabalho, possibilidade de integração racial, ascensão social e conquista de direitos para a população negra" (SANTOS, 2005, p.5).
Este discurso de incorporar a elite é até hoje defendida na Raça Brasil, cuja a revista defende a concepção de que deve-se ter mais parlamentares negros, sendo a inserção na política de fundamental importância para dar visibilidade ao negro e aos problemas que os assolam. Segundo a revista, esta visibilidade na vida política é uma forma de afirmação de uma minoria, de declarar a sua existência, veicular através de leis de inserção as suas preocupações e demonstrar capacidade de realizar as mesmas atividades da maioria branca, ou seja, onde negros em comum igualdade podem administrar a sociedade por meio da via política.
Nesse sentido, pode-se entender que a valorização de certas posturas veiculadas tanto nos antigos periódicos como na Raça Brasil funciona neste contexto como uma estratégia de afirmação do negro enquanto sujeito que luta por espaços na sociedade.
Podemos explicar o surgimento destes veículos com Erik Erikson (1976). Segundo o autor, o homem sente necessidade de associar a satisfação de dominar uma determinada tecnologia com um sentimento de identidade. Há, então, um sentimento duplo de identidade pessoal: aquela que é lentamente associada desde as experiências vividas na infância e a identidade compartilhada com a sociedade sendo esta última frutos dos encontros com a comunidade, em círculos cada vez mais amplos.
Para Erikson (1976), em todos os períodos históricos, no que diz respeito às tecnologias dominantes com o desenvolvimento da sua identidade, tornando-se aquilo que fazem. Isso dá a essas pessoas, os tecnocratas , status, uma identidade. Dá a elas o sentimento de poder desempenhar uma tarefa com outras pessoas e poder desempenhá-la bem.
Essas tarefas institucionais, que se caracterizam neste estudo sobre a revista Raça Brasil, oferecem coordenadas para o leque de opções de formação da identidade, dando um sentimento a essas atividades e um lugar aos que desempenham na estrutura social.
* Retirado da minha monografia apresentado como trabalho de conclusão do curso de jornalismo: As representações
Sociais na Ressignificação da Identidade Ética do povo negro: no caso da revista
Raça Brasil. Defendida e aprovada na semana da Consciência Negra
em 23 de novembro de 2006.