Reconhecimento da identidade afro-brasileira
Nos anos 1980 e 1990, o debate sobre a causa negra ressurge com uma nova roupagem, como parte dos movimentos sociais que se fortaleceram desde os anos 1970 em torno da identidade negra, da cidadania, seja pela politização em torno de uma consciência negra ou de uma cultura negra como meio de marcar uma cidadania diferenciada. Cidadãos com direitos, mas enquanto negros, afirmados muitas vezes culturalmente, seja através do candomblé, do reggae, da capoeira ou de outras práticas culturais. Ou pela procura de dados que mostrassem efetivamente a condição do negro na sociedade brasileira. Alguns dados inclusive mostram que houve uma alteração na posição dos negros na estratificação social, ou seja, se discutindo uma crescente classe média negra.
A comunidade negra e os movimentos negros organizados nos anos 1980 tiveram na figura do líder Zumbi dos Palmares a formulação de uma mística revolucionária que proporcionou um grande movimento de massa, em que homens e mulheres negras e mestiços iniciam uma trajetória do que se denominou afirmação da auto-estima e de sua afro-descendência. Mesmo assim, temos que reconhecer as habilidades da ideologia neoliberal em manipular esse discurso revolucionário (Marcos Silva, 1976).
Este retorno às origens por homens e mulheres negras passa por caminhos cada vez mais carregados de significados simbólicos, míticos, marcados pela tradição oral e dos ancestrais. São territórios para alguns totalmente novos. Para outros, no entanto, é um retomar caminhadas já percorridas, revelando-se desatentos a valores que ali estavam registrados da história do povo negro.
Esta identidade negra aparece nos grupos de Afoxés que estavam proibidos, até o final dos anos 1970, de saírem às ruas porque as suas cantorias foram rotuladas como subversivas à ordem estabelecida. Estes grupos só tiveram permissão no processo da abertura política. As Congadas e os Catumbis sofreram sempre a proibição de participar das cerimônias litúrgicas oficiais na Igreja Católica por serem considerados mundanos e salientes nas expressões das danças e das letras dos seus hinos.
A história do movimento negro se faz também por meio da música, evidencia para os blocos afros, representando a força da identidade negra e desempenhando um papel social importante na reeducação nas relações entre negros e não negros e nos processos pedagógicos, políticos e econômicos. Realçando e levantando a moral do povo negro, ajudando a valorizar a cultura étnica negra para que se crie uma auto-estima por si mesmo, travando no peito o ego africano.
Os blocos afro tentam romper a distância geográfica trazendo a África em versos. É neste ambiente que todos cantam, tocam e dançam a ginga do povo negro, concebendo na musicalidade o batuque preto similar aos sons dos atabaques do candomblé.
Ecoando um discurso de justiça e reparação, mergulham na história dos quilombolas, relembram a sua terra e renovam a guerra pela inclusão. Homens e mulheres exibem a estética negra com cabelos blacks e trançados, consolidando o reconhecimento da beleza negra, nesse contexto, o cabelo também virou uma forma de expressão, um fator de afirmação racial.
Ao mesmo tempo, o rap e o hip-hop se consolidam como autênticas trilhas sonoras da periferia, sendo definitivamente escolhidos pela juventude negra (claro, a maioria da população pobre) como representantes de suas idéias. Nesse momento os rappers enfatizam que o “autoconhecimento” é estratégico no sentido de compreender a trajetória da população negra na América e no Brasil.
Nos espaços da religiosidade africana, valorizam-se as tradições das religiões dos ancestrais africanos (candomblé - nagô-ketu-gegê), que conservaram na oralidade um valioso arquivo da memória daqueles que aqui chegaram e lutaram pela liberdade.
Neste momento, acontece uma centralização de todas as iniciativas na afirmação das relações de parentesco, filiação e identidade com as culturas africanas, procurando reconhecer sua história, laços culturais e religiosos e os vínculos dos negros brasileiros com os seus descendentes na diáspora africana.
* Retirado da minha monografia: As representações Sociais na Ressignificação da Identidade Ética do povo negro: no caso da revista Raça Brasil. Defendida na semana da Consciência Negra em 23 de novembro de 2006.