Uma mulher da pele Preta, que tem a força de Ogum e os encantos de Oxum. Nascida e criada em Salvador Umbandista e afrocêntrica assumida Protegida pelo Axé da natureza e não mexe comigo, porque não estou sozinha!
Sou negra como à noite!
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domingo, 17 de novembro de 2013
terça-feira, 12 de novembro de 2013
Música: Os representantes da identidade negra
Ao analisarmos como a revista Raça apropria-se do discurso dos artistas para possibilitar uma identidade cultural entre os leitores, servindo de base para encontrar meios para uma identificação, verificaremos como a revista trata de assimilar alguns estilos musicais e seus respectivos músicos no processo da afirmação cultural. Segato e Carvalho (1994, p.08) analisam que em muitos casos constata-se que a transformação da música em símbolo emblemático da identidade do grupo é uma função do poder.
Entendendo uma identidade como, ao mesmo tempo, ideia e sentimento de pertencimento a um grupo, o qual se une em torno de uma série de representações, tendo este conceito como principal ponto para esta análise . Para se relacionar com o mundo real, cada cultura constrói, a partir das práticas sociais, representações deste, as quais acabam orientando as suas práticas sociais.
Como já foi mencionado anteriormente a identidade étnica ou identificação étnica "refere-se ao uso que uma pessoa faz de termos raciais, nacionais ou religiosos para se identificar e relacionar-se aos outros" (Oliveira, 1976). Assim, a identificação étnica possui uma característica de auto-atribuição e atribuição por outros. A partir disso, quando as pessoas se valem da identificação étnica para classificar a si próprios e aos outros com propósitos de interação, elas formam grupos étnicos em seu sentido de organização (Silva, 1993, p.40). O que interessa, então, é tentar perceber tais conceitos dentro do contexto em estudo.
A revista Raça Brasil nas suas publicações sobre os músicos sempre tenta colocar nas suas linhas um discurso de autoafirmação da raça negra, publicando perguntas ou respostas que têm esse caráter identificador, como acontece nesta entrevista com cantor Seu Jorge Nosso Jorge (Edição 91 - Outubro/2005). A revista diz em destaque o seguinte: "Aos 35 anos, o ator e músico atinge seu melhor momento na carreira. Lota casas de espetáculos na Europa, grava CD em Paris e ainda atua em filme de Hollywood. Sua maior glória, diz ele com orgulho, é ser negro, brasileiro e reconhecido no exterior". A revista Raça opera como um espelho frente a classificações e a necessidade de fazer se identificar frente aos outros e ao olhar dos outros.
O mesmo tipo de publicação é colocado na entrevista com a cantora Vanessa da Mata, entrevista de nome Com vocês, Vanessa da Mata (Edição 95 - Fevereiro/2006), ao publicar o preconceito sofrido pela cantora, que diga-se de passagem, partido por outras meninas negras. A revista publicou o seguinte comentário:
"[...] única vez que ela enfrentou algum tipo de preconceito no Brasil partiu de meninas negras e por causa de um assunto batido, mas que ainda incomoda muitas mulheres negras: o cabelo. "Eu estava saindo do supermercado quando umas meninas começaram a gritar: "Vai pentear o cabelo!". Na hora eu ria muito e gritava "Eu sou neguinha, minha filha". Mas você acaba descobrindo que se trata mais de um problema social e cultural, porque se você vai num lugar super-chique, as pessoas adoram o meu cabelo", argumenta. Ela diz que só alisou os cabelos uma vez aos 15 anos, mas depois que se entendeu por gente, nunca mais precisou disso [...]" ( Com vocês, Vanessa da Mata, Edição 95 - Fevereiro/2006).
De outro lado, entendemos que as políticas de identidade estão articuladas ao que Hall (1996) identifica como uma política de representação - um envolvimento dos sujeitos para reclamar alguma forma de representação. É a partir de um espaço, que pode ser identificado com o âmbito do local, que passam a aparecer novas representações, novos sujeitos, que mediante diferentes embates alcançam meios de falarem por si mesmos.
Duas questões passam a ser cruciais nesse contexto das entrevistas dos cantores Seu Jorge e Vanessa da Mata: a disposição de viver com a diferença e, de outro lado, a etnicidade.
Há um processo de significação e associação com símbolos já existentes no imaginário de um certo grupo uma realidade, assim, nunca é apreendida de forma pura, sempre é apropriada e simbolizada, consciente ou inconscientemente, pelos grupos que dela se aproximam. "É nesta atribuição de sentido que percebemos que as representações não são "ingênuas". Apesar de se proporem a uma aproximação com a realidade, sempre são influenciadas pelos interesses do grupo que a produz" (CHARTIER, 1990, p. 17).
Neste sentido, a revista utiliza opiniões e imagens dos artistas para publicar afirmações e acontecimentos para chegar de forma mais atenta a seu público, já que as pessoas gostam de saber sobre a vida das celebridades e assim possam ver estas afirmações raciais presentes na fala dos seus ídolos.
* Retirado da minha monografia: As representações
Sociais na Ressignificação da Identidade Ética do povo negro: no caso da revista
Raça Brasil. Defendida na semana da Consciência Negra
em 23 de novembro de 2006.
Música: Os representantes da identidade negra
Continuação...
Há também uma outra forma que a revista encontra para narrar a vida dos negros pobres através de alguns estilos musicais, a exemplo, estilo hip-hop, rap e funk, fazendo desses estilos musicais uma forma de apresentar um protesto feito por músicos que dizem representar a periferia.
Começaremos na análise da matéria Eles querem mudar o mundo (Edição 90 - Setembro/2005), que trata de mostrar a atriz Isabel Fillardis e o rapper MV Bill que dizem ter projetos paralelos, mas com o mesmo objetivo que é ajudar a população negra. Na matéria, a revista salienta que o rapper Bill recebeu da Unicef, em 2003 e 2004, reconhecimento como destaque do ano, por ser um dos rappers mais politizados dos anos 90 e publica o depoimento de Bill:
"Quando meus pais chegaram à Cidade de Deus, não havia facções criminosas estabelecidas, armamentos pesados. Cresci vendo a escalada do poderio das armas, das drogas e os bandidos cada vez mais jovens. Fui trilhando um caminho paralelo, por meio do hip hop, que foi a salvação para mim.", conta ele. "Minha marca foi a persistência em ser exceção dentro de uma regra que não me favorecia. Chega de nós, pretos, só sairmos na página policial. Vamos para a seção cultural de jornais e revistas" (Eles querem mudar o mundo Edição 90-Setembro/2005).
A revista trata de narrar a vida de MV Bill como uma forma de vida padrão de todos que moram em favela, que teve de largar os estudos para trabalhar e ajudar a família. E que foi através da música que sua vida mudou, mas não deixando de olhar para as suas raízes, o rapper MV Bill admite que sua inserção na mídia mudou de uns tempos para cá. Do estigma de criminoso que fazia apologia às drogas, à época do lançamento do videoclipe Soldado do Morro, Bill transformou-se em personalidade cortejada pela imprensa. "Isso não me seduz, não cria em mim um sentimento de superioridade em relação a ninguém. É importante lidar com a mídia, saber usá-la para a transmissão de nossas ideias".
MV Bill emenda: "Tenho que saber defender meus pensamentos. Precisei amadurecer discurso, fala, comportamento. As questões das quais trato não são para fazer carnaval". O rapper se orgulha de não cair na tentação da fama e ter raízes fincadas em sua comunidade. Consciente, também se gaba de ter levado a mídia para dentro da favela. "Fiz isso não só no Rio de Janeiro, mas em outras favelas no Mato Grosso, Ceará, Minas Gerais e Santa Catarina. Aprendi a dialogar com a mídia, a falar o português e o favelês, com pessoas de todas as classes sociais, de todas as raças".
Rosana Santos (2002) analisa que ao mesmo tempo em que os rappers atacam a mídia – nas músicas, nos discursos durante os shows e no dia a dia – eles precisam dela como canal de divulgação de sua arte e de suas ideias. E a revista Raça atua nesta posição de divulgar o trabalho destes músicos que tratam de falar a realidade que existe em nosso país, usando a figura de rappers conhecidos para falar desta identidade cultural.
Segundo Erving Goffman (1988), toda vez que uma pessoa estigmatizada alcança uma posição de prestígio social, geralmente recebe a incumbência de representar o grupo estigmatizado ao qual pertence. Da mesma forma, toda vez que uma pessoa que tem um estigma torna-se destaque por feito extraordinário é motivo de comentário em toda a sociedade. Assim, os membros de seu grupo, nessas ocasiões, tornam-se sujeitos a uma transferência do mérito ou demérito da ação do colega.
A revista usa o discurso metafórico do vocabulário musical para trazer à tona elementos de um discurso que é diferente - outras formas de vida que saem da classe média negra da exaltação do black is beautiful para ir para as periferias evidenciando uma outra representação, porém sendo uma representação superficial já que usa o discurso de cantores famosos para falar desta realidade em razão destes mesmo rappers ainda morarem na favela e terem tido uma vida difícil como todos os moradores da periferia. Como aconteceu nesse depoimento do rapper Rapin Hood ao novo cd do Bill:
"A quem interessar possa, MV Bill é um grande guerreiro, o mensageiro da verdade não está para brincadeira. Politizando o gueto, o militante Bill vai abalando as estruturas de um cenário cada vez mais triste aos olhos do jovem negro e pobre em nosso país. Saídas devem ser apontadas, a verdade deve ser mostrada e isso ele faz com muita competência, ritmo e poesia. Bases que eu teria usado, rimas que eu teria escrito, nossas mentes se identificam. Tamo junto e misturado, lado a lado nessa luta diária para que nem o meu , nem o seu filho sejam o próximo falcão. Deus o abençoe nessa caminhada, pois eu sei que na periferia o bagulho é doido. Fiquem na paz, liguem o som e aumentem o volume porque é Rapdubom" (Ensaio MV Bill e Depoimentos Edição 101 - Agosto/2006).
Eles atribuem a si mesmos o papel de "porta-vozes" da periferia, um dos elementos da identidade do estilo. Alguns deles se atribuem a "missão" de problematizar a realidade em que vivem através das músicas que cantam, com a pretensão de "conscientizar os caras" dos problemas e riscos que o meio social lhes impõe.
Segundo Waldemir Rosa (2005, p.17) "a representação é uma figura cognitiva baseada em uma herança histórico-cultural específica que busca imputar em uma outra realidade social". Rosa ainda explica que "a representação não é uma falsificação da realidade, esta se relaciona com a realidade a que se pretende explicar", (2005, p.17).
A revista usa a música para a construção de um discurso sobre a noção de identidade por parte sobretudo de jovens que moram em comunidades desfavorecidas se tornando algo de grande importância para a identidade dessa comunidade. Aliás, poder-se afirmar que a identidade deste espaço constrói-se especialmente através de representações musicais.
A revista volta a sintetizar tal afirmação ao publicar a matéria especial de 10 anos Raça (Edição 102 – Setembro de 2006). Esta afirmação está presente na voz da cantora Sandra de Sá, ao afirmar que o "Samba, funk, hi- hop. Estes e outros estilos musicais negros marcaram a cena cultural dos últimos 10 anos. Também trouxeram mais alegria ao país, aumentaram os lucros da indústria fonográfica e a conta bancária de artistas de origem humilde", explicando a posição atual do estilo funk "os funkeiros anônimos e pobres, entretanto, vivem na mira da polícia. Mas também ditam o ritmo das pistas de dança - da favela e do asfalto - e ocupam o dia das rádios de todo o país com a irreverência, o protesto debochado e o cotidiano das comunidades negras e desfavorecidas". Ao colocar desta forma a revista enfatiza a ideia de que música funk se apresenta para narrar o cotidiano da população negra favelada.
Segundo António Contador (2001), a música surge como um processo de identificação, e as suas formas narrativas, estabelece-se com a ficção das identificações por referência, reapresentadas nas histórias de vida, tornando familiares afinidades inventadas, e tornando circunstanciais proximidades derivadas de "lógicas culturais".
"A desterritorialização, no caso das culturas passa a ser transformada em termos de identificação cultural, onde com a difusão das suas produções, através dos meios de comunicação as comunidades espacialmente separadas podem considerar-se reunidas". (Célia Guimarães, 1998, p.248)
Joanildo Burity (2002) ressalta que a problemática da cultura é hoje um veio de discussão consagrado, que não apenas retrata uma orientação teórica no campo das ciências sociais, mas também reagrupa as preocupações, classicamente associadas à cultura em torno do tema da identidade. Essa orientação teórica diz respeito à compreensão de que a vivência social é sempre simbolicamente mediada, seja pelo discurso, seja pelas manifestações artísticas em sentido amplo, de modo que tanto se pode dizer que tal vivência é culturalmente construída, como dizer que a cultura é uma construção social, que interage de forma complexa com os diferentes lugares e práticas onde se situam ou por onde circulam os agentes sociais, dando sentido e direção - ou questionando-os a seus pertencimentos e ações.
* Retirado da minha monografia: As representações
Sociais na Ressignificação da Identidade Ética do povo negro: no caso da revista
Raça Brasil. Defendida na semana da Consciência Negra
em 23 de novembro de 2006.